Será que do peixe tudo é aproveitado?
A
produção brasileira de pescado já ultrapassa 1,4 milhões de toneladas. Os
investimentos em empreendimentos e pesquisa na área produtiva são altos e
dispersos em todo o país. O foco porém tem sido para a aquicultura, que cresceu
38% entre 2010 e 2011 e as perspectivas são ainda maiores para os próximos
anos, considerando o desenvolvimento da piscicultura continental, responsável
por quase 87% da produção de pescado nacional.
É
interessante notar que as perspectivas para a produção brasileira de pescado são
tão positivas e, muito se tem investido em tanques, nutrição, genética, porém,
pouco se vê ou se fala em investimentos para processamento dos subprodutos do
pescado. Claro, existem as fábricas de óleo e farinha de peixe para a produção
de ração mas, você já parou para pensar que, se o rendimento de uma
processadora de pescado é de aproximadamente 50% do total produzido (que pode
variar de acordo com a espécie, tipo de processamento etc), que o volume de
resíduos gerados apenas pela indústria do pescado no Brasil gira em torno de
700 mil toneladas? Esse volume é quase o total de lixo produzido em um ano em
uma cidade como Campinas.
Assim
como as cadeias agroindustriais do frango, suíno e bovino aproveitam todos seus
subprodutos, a máxima “do peixe tudo é aproveitado” é uma realidade, afinal, realmente
é possível se aproveitar tudo: retira-se a carne em forma de filé ou posta, a
pele pode ser submetida ao processo de curtimento transformando-a em couro, a
carcaça segue para produção de ração animal, vísceras, cabeça, couro e carne
descartada são usados para a produção de óleo de peixe e, todos esses fins
permitem agregar valor à produção.
Porém,
ainda não é nítida a percepção do valor que esse resíduo tem para a indústria
do pescado no Brasil. Alguns pesquisadores indicam que a sustentabilidade
econômica dessa cadeia depende do destino correto dos resíduos para, assim,
aumentar o rendimento do produtor que tem custos bastante elevados para se
focar apenas na produção da carne de peixe.
As
possibilidades para os subprodutos do pescado – cabeça, pele, escama, vísceras,
carcaça - como mencionadas anteriormente são diversas e, diferentemente de
outros resíduos, têm um apelo nutricional muito grande. Os coprodutos gerados a
partir dos resíduos, em geral, podem ser destinados a alimentação humana ou à
produção animal - na forma de ração - e vegetal, como fertilizante.
A
silagem por exemplo pode ser obtida na forma química, enzimática ou
microbiológica e é um produto liquefeito utilizado como ingrediente para ração ou
adubo. A compostagem dos resíduos de pescado gera um composto orgânico que pode
ser utilizado na alimentação animal ou como fertilizante. Outros coprodutos que
podem ser gerados são a farinha e o óleo de peixe, ricos em ômega-3, destinados
para a produção de ração e, atualmente, são essas as indústrias que absorvem a
maior parte do volume do resíduo de pescado.
Mas
será que esses usos são os que dão maior rentabilidade para o produtor? Quando
se fala do uso dos resíduos para alimentação humana, pode-se falar do óleo de
peixe, um produto de alto valor agregado, rico em ômega-3, encontrado na forma
de cápsula. Mas não apenas o óleo é um exemplo de agregação de valor ao resíduo
de pescado. O minced, ou polpa -
parte comestível do pescado, separada mecanicamente é outra opção de utilização
interessante. Essa CMS – carne mecanicamente separada – torna-se um ingrediente
que é utilizado no desenvolvimento de novos produtos à base de peixe como
empanados e hambúrgueres, tem alto rendimento e reduz a quantidade de material
descartado. Gelatina é uma outra opção de coproduto que pode ser gerado a
partir de partes não comestíveis do pescado.
Além
de todas as possibilidades citadas acima, o biocombustível a partir das vísceras
do pescado se mostrou também uma alternativa técnica e economicamente viável. Contudo,
para funcionar, é preciso uma logística estruturada na região em que a máquina
estiver instalada para a coleta do material a ser utilizado para a produção do
biocombustível - pois também demanda certo controle de qualidade da
matéria-prima que será processada.
Para
a pele de peixe – que representa 4,5% – 8,5% do peso – ao invés de descarta-la
é possível transformá-la em couro por meio de curtimento. Esse tipo de
atividade ainda é feito mais artesanalmente, em algumas comunidades próximas a
colônias de pescados, envolvendo a população local que usa a atividade como uma
forma de melhoria da condição de vida, educação ambiental e uma renda
adicional. O couro do peixe pode ser trabalhado e transformado em roupas,
sapatos, bolsas e bijuterias.
O
descarte correto dos resíduos do pescado é um tema de extrema importância. Portanto,
para evitar a poluição do solo e lençóis freáticos é importante orientar,
coletar adequadamente e oferecer uma alternativa aos pescadores e
piscicultores. Ter uma estrutura para captar e transformar esse material e
agregar valor à produção é muito bom para o meio ambiente e para as pessoas,
pois gera-se renda e emprego.
Todas
essas alternativas apresentadas podem ser consideradas em um plano de negócio
de uma nova empresa processadora de pescado ou, como uma inovação das indústrias
já existentes. Com a destinação correta dos subprodutos do pescado é possível
evitar uma poluição ambiental, aumentar a lucratividade do produtor e gerar
novos postos de trabalho, tornando assim a pesca e a aquicultura mais competitivas
e sustentáveis.
Assim,
respondendo à pergunta inicial: sim, do pescado tudo pode ser aproveitado. Só
resta que as diferentes formas de processar o resíduo aqui apresentadas sejam
implementadas pelos empresários e empreendedores do setor, tornando assim a
atividade ainda mais rentável.
Texto escrito por Débora Planello.
Fontes:
BRASIL. Ministério da Pesca
e Aquicultura. Boletim Estatístico de Pesca e Aquicultura 2011. Disponível em: http://www.mpa.gov.br/images/Docs/Informacoes_e_Estatisticas/Boletim%20MPA%202011FINAL.pdf.
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